Sinceramente, não vejo a hora do Carnaval acabar!
Ele já perdeu há muito o sentido original de manifestação popular, cultural de um povo festivo para se tornar uma festa do dinheiro público com festanças e showmícios mantida por políticos que só pensam na manutenção de seu poder em detrimento dos reais problemas da Cultura e dos artistas que se preocupam com ela, em vez de apenas com cachês. Aliás, é preciso fazer uma divisão entre quem é artista mesmo e quem é "oportunista". Pois ainda que queiram defender uma renda momentânea que alguns artesãos e ambulantes usufruem (muito pouco! Isso sem falar que isto é um romantismo do trabalho precarizado) digo que este momento no calendário - que já dura mais que deveria - é passageiro e não é o único a prover "alguns" artistas de fato e que precisam, isso sim, de políticas públicas concretas de Cultura e não de shows de compadres para sobreviver.
Um dia desses, passando pelo centro histórico presenciei algo que me lembrou a infância e o verdadeiro sentido perdido deste frenesi: aqueles blocos de bairro organizados pela própria população que saem em euforia dançando marchinhas de carnaval. Marchinhas essas tão tradicionais, tão antigas e tão da cultura maranhense e nacional que traziam no fundo o sentido do que é esta "festa" da carne que acaba sempre em pó.
Cada um se fantasiava e ia pular o Carnaval; e o carnaval era isso: esse acontecimento alegre e que fazia arte com o duplo sentido das palavras nas músicas; que transformava o casto, o gênero, o silêncio e o pudor pelo profano e irreverente; homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homem sem que isso fosse considerado medonho, senão burlesco e muito natural. Tudo isso para terminar numa quarta-feira de cinzas onde toda a licença poética permitida - e até apoiada pela Santa Igreja - retornava à "normalidade" da vida cotidiana, pacata, severamente rotineira e devota. Para mim era isso o Carnaval, bem representativo do Brasil e da identidade nacional brasileira. No que ele se transformou não sei. Mas vamos falar de Cultura!
Nos últimos dias vários textos e artigos de artistas preocupados com a nossa cultura, e com a nossa cultura nos seus mais variados gêneros, se espalharam nas redes sociais, principalmente dos artistas preocupados com o fazer da política cultural, para denunciar uma certa farra que se faz do dinheiro público neste período. A coisa parece ter virado um verdadeiro "carnaval" onde a propaganda política faz plantão com isso que chamam agora, na cara dura, "investir na Cultura".
A Cultura tem sido essa galinha dos ovos de ouro onde muitos atores políticos pensam poder usufruir ao bel prazer e para interesses próprios, contrariando os difusos e coletivos. E assim a Cultura real não floresce e a coisa não funciona como deveria ser, tão cheia de atravessadores e oportunistas que não cabem no gibi.
Muitos colegas artistas têm inclusive se perguntado nos últimos dias: será que Cultura no Maranhão é só Carnaval e Bumba-Boi? Isso sem falar que o Maranhão é um dos Estados mais diversos e ricos culturalmente do Brasil. Porém essa cultura é pobremente explorada e, por vezes, definha e se extingue por falta de quem regue a boa cultura popular e suas várias expressões. A Cultura maranhense, bem dito, está soterrada sob este alvoroço; debaixo dessa aparência de um investimento em Cultura sem que se faça POLÍTICA CULTURAL. E assim, só promovem migalhas, ilusões, zuada e deformidades.
Onde estão os atores e atrizes, os poetas e escritores? Onde estão os artistas circenses? Aliás, cadê o Circo?
Todas estas categorias são esquecidas pelo barulho politiqueiro do carnaval, pois foi nisso que esse período de fevereiro se transformou. Com franqueza, não existe arte nenhuma nisso que estão disseminando e muito menos Cultura: esse capricho espontâneo que fala da alma de um povo, que transmuta e envolve o santo e vulgar como a dança do Cacuriá de dona Teté que nasceu da cultural festa do Divino. E assim nasceu mais uma forma de cultura de nossa terra.
Como artista da palavra e integrante de um dos segmentos mais esquecidos deste Estado, a Literatura, me incomoda tudo isso e incomoda viver num Estado que vê a Literatura como coisa da elite, como um privilégio unicamente de juízes, governadores, empresários, médicos e barões serem considerados literatos. Nosso Estado, o Maranhão, desconhece que a Literatura está em tudo, que a palavra criativa está em tudo. Está na marchinha de carnaval, está nas toadas de bumba-boi, nas letras das canções que bem ou mal tocam as multidões; no corpo que dança e fala sem voz. Está em tudo e tudo deveria passar por esse crivo da palavra criativa, da escrita poética; do verbo que depois se faz carne para traduzir a alma popular. E tudo isso demanda projeto, inclusão de todas as Artes. Uma política cultural contínua e versátil que jamais terminará em cinzas e que nunca será sequestra por político algum. Mas é o que estão fazendo: corrompendo o espírito popular, distorcendo a cultura e seu sentido profundo impregnado na terra, no torrão onde nascemos e vivemos.
Pois Cultura vem de cultivar a terra, vem de cuidar daquilo que jamais passará pois é o símbolo de nossa identidade desde o verbo ao corpo.
Jeanderson Mafra, Escritor e Poeta maranhense. Conselheiro de Cultura.
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